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Reforma tributária começa a valer, mas atraso na regulamentação afeta empresas e governos

Publicado em 22/12/2025
Reforma tributária começa a valer, mas atraso na regulamentação afeta empresas e governos

Na noite de terça-feira 16, a Câmara concluiu em definitivo a votação do Projeto de Lei Complementar 108 (PLP 108/24), o último grande bloco que faltava para completar o arcabouço legal da reforma tributária e permitir que ela comece a operar. A reforma — cujo texto principal foi promulgado em dezembro de 2023 — promete mudar de forma profunda a maneira como as empresas recolhem tributos no Brasil. Desde então, uma sequência de regulamentações veio detalhar suas diferentes frentes. A etapa final, aprovada nesta semana sob a coordenação de Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, trata de pontos centrais, sendo o principal a criação do Comitê Gestor, órgão que administrará os novos impostos, além das regras como as de fiscalização, punições e repartição da arrecadação entre estados e municípios. São definições sensíveis, que dão ao contribuinte o mínimo de previsibilidade sobre como proceder. O problema é o calendário: o PLP 108, apresentado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda em junho de 2024, teve sua aprovação concluída pelo Congresso a apenas dezesseis dias do início de vigência da reforma. Na prática, sobra pouco tempo para que empresas e governos façam os ajustes necessários e se adaptem às novas regras. 

A largada está marcada para 1º de janeiro de 2026, quando começa a fase de testes e se inicia o primeiro dos sete anos de transição do sistema antigo para o novo. O atraso na conclusão de uma das principais regulamentações é apenas um sintoma do volume de pendências com que empresas, prefeituras, estados e o governo federal chegam às vésperas do prazo. Essa defasagem não impede, necessariamente, o início da mudança — mas amplia dúvidas, encarece a adaptação e reabre inseguranças jurídicas que poderiam ser evitadas. “O Brasil mais uma vez erra em cronogramas, o que acaba trazendo desconfiança sobre o sucesso dessa implementação”, afirma Mariana Carneiro, sócia e líder de reforma tributária na consultoria PwC. “O executivo de uma multinacional, por exemplo, não entende por que os prazos não estão sendo cumpridos.”

A reforma tributária promete, vale reforçar, grandes transformações. Ela revoga milhares de normas e extingue os atuais tributos sobre consumo — PIS, Cofins e IPI, no plano federal; ICMS, no âmbito estadual; e ISS, no municipal — para substituí-los por apenas dois, com alíquota uniforme em todo o país: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que reunirá os tributos federais, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), destinado a estados e municípios. Em 2026, nenhum dos dois será efetivamente cobrado — isso só começa em 2027 —, mas já em janeiro as empresas terão de declará-los e adaptar as notas fiscais à nova lógica. Trata-se de uma fase de testes, necessária para coletar informações e familiarizar os contribuintes com o modelo, mas a maioria ainda se vê desorientada. 

Um levantamento feito pela fornecedora de conteúdo e tecnologia Thomson Reuters indica que 65% das empresas brasileiras seguem em estágios iniciais de planejamento para a transição. “Elas têm muitas dúvidas sobre as mudanças de sistema e os custos de adaptação”, diz Edinilson Apolinário, líder de reforma tributária na Thomson Reuters. 

Nenhuma pendência, porém, é tão crítica quanto a situação ainda improvisada do Comitê Gestor. “Ele é o órgão responsável por administrar o IBS e fundamental para a implementação da reforma, mas ainda está instaurado em caráter temporário”, diz Thais Shingai, coordenadora da pós-graduação em direito tributário do Insper. Previsto para reunir representantes de estados e municípios, o Comitê será responsável por gerir a parcela do novo imposto que caberá a esses entes — um papel que espelha o que a Receita Federal faz para a União. Trata-se, portanto, de uma estrutura central que dependia da regulamentação aprovada há alguns dias para operar em definitivo. Com a lei atrasada, os estados recorreram a um arranjo provisório: montaram um corpo diretivo temporário para iniciar o trabalho de normatização em conjunto com a Receita. “Foi o que nos permitiu adiantar muitos sistemas e regulações”, diz André Horta, diretor institucional do Comsefaz, o comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda. “Começar do zero agora seria impossível.” 

NOVAS OBRIGAÇÕES - Nota fiscal: as empresas precisam adaptar a documentação até janeiro

NOVAS OBRIGAÇÕES - Nota fiscal: as empresas precisam adaptar a documentação até janeiro (Carlos Gawronski/Getty Images) 

Uma das tarefas mais relevantes, tanto do Comitê Gestor quanto da Receita Federal, é colocar em funcionamento os novos sistemas de tecnologia que vão concentrar e processar as notas fiscais do país todo, hoje espalhadas por milhares de redes locais, nem sempre integradas e automatizadas. A mudança é colossal: cerca de 70 bilhões de operações de compra e venda por ano passarão a ser tratadas pela nova infraestrutura. Pelas estimativas do Serpro, a estatal de tecnologia que desenvolve a plataforma com a Receita, o tráfego de dados pode ser até 100 vezes maior que o volume do sistema do Pix atualmente. “A reforma promove uma mudança significativa também na maneira como é feito o pagamento desses impostos, e isso vai gerar uma quantidade gigantesca de dados, diferente de tudo o que temos hoje em dia”, afirma Wilton Mota, presidente do Serpro. 

O sistema federal que vai processar a CBS já está em fase de testes e, segundo o presidente do Serpro, está pronto para entrar em operação em janeiro. O do IBS, sob responsabilidade do Comitê Gestor, está alguns passos atrás. O sistema do IBS deve iniciar seus primeiros pilotos também em janeiro, conforme informou a entidade em comunicado divulgado há alguns dias. “O ano de 2026 será de testes, mas, até 2027, teremos o comitê e o sistema permanentes funcionando”, afirma André Horta, do Comsefaz. Até lá, as primeiras informações do IBS, que começarão a aparecer nas notas fiscais emitidas pelas empresas, seguirão sendo apuradas dentro das plataformas estaduais. “Nosso trabalho é mais complexo, porque envolve vários entes subnacionais e exige muito mais diálogo”, acrescenta Horta. 

MAIOR QUE O PIX - Receita Federal: o novo sistema processará volume de dados sem precedentes

MAIOR QUE O PIX - Receita Federal: o novo sistema processará volume de dados sem precedentes (Ton Molina/Fotoarena/.) 

Por ser o primeiro ano — mais educativo do que operacional —, 2026 tende a oferecer alguma margem de tolerância para pendências e ajustes. Isso, porém, não diminui o peso dessa etapa de adaptação. “Há um bom senso dos órgãos regulatórios em não exigir ou punir aquilo que as empresas simplesmente não têm como cumprir agora”, diz Bernard Appy, ex-secretário da Fazenda e coordenador da reforma tributária. “Mas isso não significa ignorar a necessidade de adequação, porque, se até o fim de 2026 não estiver tudo pronto, em 2027 já teremos problemas.” Reduzir a complexidade tributária é um passo urgente e necessário, mas vai demandar ainda muito trabalho para as autoridades e os contribuintes. 

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